Uma pergunta pelo Twitter @higinosteck me estimulou a postar esse
artigo para esclarecimentos sobre essa técnica que pode ser usada em cirurgia da tireóide.
Um dos riscos mais temidos em cirurgias da tireoide é a possibilidade de rouquidão ou alteraçōes da voz após a cirurgia. Esse risco é especialmente importante em profissionais da voz, que precisam da sua voz para trabalhar, como cantores, radialistas, professores, etc, porque a rouquidão, geralmente temporária, pode se extender por 2 meses ou mais. A rouquidão definitiva é mais rara e, na mão de cirurgiões experientes, ocorre em menos de 1% das cirurgias.
Esse risco se dá pela proximidade de 2 nervos que se localizam entre a tireoide e a traquéia: o nervo laringeo recorrente e o laringeo superior.
O padrão ouro para evitar a lesão do laringeo recorrente em tireoidectomias, que causaria paralisia das cordas vocais e consequente rouquidão, é a identificação dos nervos durante a cirurgia. E isso leva a um índice baixo de lesões para cirurgiões experientes.
Ja comentei nesse blog as vantagens de se usar algum tipo de magnificação na cirurgia para ajudar na identificação de estruturas tão delicadas, como o uso de lupas (que eu uso de rotina) que aumentam de 2 a 4 vezes o tamanho, ou uso de óptica e video de alta resolução (que uso nas cirurgias videoassistidas da tireoide), que aumentam em até 40 vezes o tamanho das estruturas. Essa magnificação ajuda muito a identificação dos nervos.
A dificuldade porém pode existir em casos em que seja dificil a identificação do nervo pelo cirurgião, como reoperações da tireoide, onde a fibrose da cirurgia anterior pode complicar a visualização de estruturas, e também casos de bócios muito grandes, tireoidite ou casos com variação da anatomia do nervo.
Por isso foi desenvolvido uma técnica que possibilita a monitorização dos nervos laringeos durante a cirurgia, e que antecipa o local onde ele esta em alguns casos onde a visualização é dificil.
A técnica é similar a um exame de eletroneuromiografia, muito usado pelos neurologistas. Consiste em colocar receptores no tubo intratraqueal da anestesia (geral) e estimular o local da cirurgia. Quando próximo ao nervo o monitor de eletroneuromiografia vai acusar a atividade do nervo, o que alerta o cirurgião da sua proximidade. Ajuda também quando há duvida se uma estrutura muito fina é nervo ou vaso sanguíneo.
Existe um debate na literatutra científica se o monitoramento deve ser usado em todas as tireoidectomias, como advogam alguns especialistas de Harvard e da Alemanha, ou se apenas em casos de risco maior, como as reoperações de tireoide, bócios grandes, e profissionais a voz. O seu uso em reoperações da tireoide é um consenso entre especialistas.
Nos Estados Unidos o uso de Monitoramento de nervos intraoperatório é cada vez mais indicado pelos cirurgiões de tireoide. Era usado em cerca de 7% das tireoidectomias em 2001, em 2007 em 36%, e continua aumentando. O perfil de uso dos estudos indica que é mais usado por cirurgiões mais jovens e afeitos a novas tecnologias, e por cirurgiões com maior volume anual de tireoidectomias (justamente os com maior experiencia).
Varios estudos tentaram demonstrar estatiticamente se o uso do monitor de nervos diminui a incidencia de paralisia das cordas vocais. Alguns mostraram vantagens no seu uso, outros não. Nenhum mostrou desvantagem.
Num estudo com mais de 16000 pacientes, Dralle publicou que , para cirurgiões que fazem menos de 45 tireoidectomias por ano, o uso do monitor reduz o risco de lesão dos nervos em tireoidectomias. Chan, estudando 1000 nervos em risco na cirurgia, publicou que o risco de paralisia do nervo laringeo recorrente em reoperações da tireoide aumenta para 19% nos casos não monitorizados e é apenas cerca de 7% no grupo monitorizado.
O único estudo prospectivo randomizado, que é considerado um estudo com maior evidência científica e, portanto, de maior valor, foi realizado por Barczynski, que estudou 2000 nervos em risco e concluiu que o indice de lesōes transitorias do nervo diminuiu de 2,9% para 0,9% com uso do monitor (estatisticamente significativo) e lesões permanentes de 1,2% para 0,8% (nao estatisticamente significativo, mas com tendencia a melhor resultado que poderia ser comprovado em numero maior de pacientes).
Podemos concluir por essas estatisticas que 1 a 2 pacientes em cada 100 se beneficiariam do uso dessa tecnologia.
Embora os planos de saúde possam se recusar a pagar o monitoramento por alegar que o beneficio é pequeno, para alguns pacientes o benefício é enorme.
É claro que uma nova tecnologia como essa não substitui a experiência e habilidade do cirurgião. Pelo contrario, essa tecnologia "precisa" de um cirurgião que tenha experiencia com ela pra saber como usa-la, e que seja afeito a novas tecnologias. Por isso muitas vezes existe resistencia de cirurgiões mais antigos a usá-la.
Na minha opinião estamos no século XXI, na era da informatica, computadores, pós PC devices (iPad), carros com GPS, computador de bordo, etc. A tecnologia esta ai para ajudar os pacientes e cirurgias de tireoide não precisam ser realizadas como a 100 anos atrás.
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- essa foto foi tirada no Curso de Cirurgia de Tireoide, no Ether Dome (local da primeira anestesia da história) em Harvard com um dos maiores especialistas em monitoramento de nervos, Dr Randolph (2o da direita pra esquerda).
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